Emancipar ou integrar? |
Recentemente, um assunto que
estava adormecido, voltou a ser discutido em Guarujá, estimulado pela votação
no Congresso Nacional de uma Lei que possibilita a criação de mais de 400 novos
municípios no Brasil: a emancipação de Vicente de Carvalho.
Alguns são absolutamente
indiferentes, outros descrentes sobre o êxito do movimento. Mas existem aqueles
que não se manifestam, que não escrevem artigos em jornais, ou participam de
programas na televisão ou no rádio, que não postam comentários e opiniões no
facebook – chamados de multidão silenciosa – que claramente não estão
satisfeitos com os rumos da administração do município de Guarujá, não apenas
do atual governo, mas de uma forma de administrar que parece se repetir há,
pelo menos, 40 anos.
Sentem uma falta sistemática de
planejamento nos empreendimentos realizados em todo o município de Guarujá.
Vários exemplos podem ser lembrados: Quando houve a autorização para a
construção de um terminal de contêineres na margem esquerda do Porto, o TECON
foi comemorado, celebrado, foi dito que seria a solução para os problemas de
desemprego em toda a cidade, enfim, seria algo bom para todos. Com tantos
engenheiros e funcionários gabaritados na Prefeitura, ou tantos vereadores,
zelosos pela cidade, ou mesmo com tantos articulistas e jornalistas com senso
crítico apurado, não houve quem lembrasse que não tínhamos trabalhadores
qualificados para várias funções operacionais nesse tipo de terminal, ninguém
questionou como os contêineres chegariam até o terminal. Se de caminhão, por
quais vias passariam, se seria necessário construir um acesso à esse terminal,
ou ainda, onde esses caminhões ficariam estacionados. Os moradores do Jardim
Boa Esperança, Vila Áurea, Pae-Cará, Monteiro da Cruz, Jardim Maravilha, Parque
Estuário e Jardim Conceiçãozinha sabem dos transtornos dessa omissão. Por conta
própria, colocaram obstáculos nas ruas, para impedir que esses caminhões
trafegassem pelos bairros. Em relação aos empregos, verifica-se que existem
guarujaenses trabalhando nos terminais, mas sempre em funções subalternas,
braçais, nunca em cargos de mando, de gerência, de chefia, que são ocupadas por
pessoas de fora, com qualificação técnica. Temos ainda exemplos da instalação
de supermercados atacadistas na cidade, que causaram impacto no trânsito, sem
que fosse exigido um estudo e obras que diminuíssem essa interferência no fluxo
de veículos na cidade.
Mas, sem dúvida, quem mais sofre
com essa situação de improvisos, de remendos, de inconsequência é a população
de Vicente de Carvalho. Embora existam mais ruas sem asfalto em Guarujá,
Vicente de Carvalho possui equipamentos públicos de menor dimensão, seja na
abrangência, seja no poder de decisão. Embora a cidade possua atualmente três
vocações bem claras – Turismo, Comércio e Porto – nenhuma delas é plenamente
estimulada por políticas públicas de formação profissional, de atração de eventos,
visitantes, recursos e cargas, de sustentabilidade ambiental. No máximo, vemos
ações pontuais e desarticuladas, até porque quem está em Guarujá acredita que
ter pouco a ver com Vicente de Carvalho, uma vez que o Turismo é o carro-chefe
e o Comércio, acreditam ser “diferenciado” ou, de elite. A visão em Vicente de Carvalho é semelhante,
o Porto e as atividades relacionadas são o foco, e o Comércio é classificado
como popular.
Também existe uma “alma”
guarujaense diferente da “alma” itapemense. No Guarujá, há uma identificação
com a cultura caiçara, mesmo que um pouco homogeneizada e mais cosmopolita, o
contato com a cultura do mar ainda é importante. No Itapema, o espírito do
local é notadamente nordestino, com seus acentos, odores e cores domesticados,
mas, ainda presentes.
Até quando observados os
problemas sociais, percebe-se diferenças entre Guarujá e Vicente de Carvalho.
Podemos identificar poucas áreas de favelização em Vicente de Carvalho, como a
Prainha, Caixão, Chaparral, Conceiçãozinha as Palafitas, no Morrinhos IV, e a
desigualdade social é bem menor, sem grandes diferenças entre os mais ricos e
os mais pobres. Já em Guarujá, existem muitas áreas favelizadas, como no Rio do
Meio, Santa Cruz dos Navegantes, Areião, Perequê, Vila da Noite, Miozotis, Vila
Baiana, Cochoeira, Cantagalo, Morro do Engenho, Morro do Biu, Caranguejo, Vila
Zilda, Mar e Céu, Vila Rã, Vila Edna, entre outras, e os problemas ambientais
decorrentes são maiores, além do verdadeiro abismo social entre os mais pobres
e os mais ricos. Assim, a dinâmica das políticas públicas para uso e ocupação
de solos, ações de enfrentamento à vulnerabilidade social, prevenção de
catástrofes junto a Defesa Civil, são muito diferentes, quando observamos
Guarujá e Vicente de Carvalho separadamente.
Parece lógico que com tantas
diferenças exista, latente, um sentimento de secessão. Afinal, a civilização
judaico-cristão ocidental se caracteriza modernamente pela especialização, pelo
aprofundamento dos conhecimentos, fazendo sentido que dois lugares com tantas
diferenças, apesar da proximidade, queriam definir seu futuro, especializando a
administração nas suas questões específicas, sem perder tempo, recursos e
dinheiro em assuntos que não lhe interessam.
Mesmo com todos esses argumentos
favoráveis à separação de Vicente de Carvalho de Guarujá, que para muitos são
suficientes para embasar a proposta, precisamos refletir sobre dois aspectos
importantes: Quanto isso custará e a quem interessa essa emancipação.
O custo da emancipação não deve
ser contabilizado apenas nos valores gastos em relação à um plebiscito ou mesmo
da instalação de uma Prefeitura, com Secretarias e concurso para os
funcionários públicos necessários ao bom atendimento dos cidadãos e de uma
Câmara de Vereadores. Alguém já calculou se o recolhimento de IPTU, ISSQN e
IPVA em Vicente de Carvalho é suficiente para o custeio de toda a
infraestrutura e máquina administrativa necessária? Não nos esqueçamos que o
IPTU pago em Guarujá não é gasto lá, pois 70% dos imóveis são ocupados por
apenas dois meses. Os outros meses do ano, aquele IPTU arrecadado é utilizado
em toda a cidade, em especial nos lugares de maior concentração de pessoas de
renda mais baixa, ou seja, em Vicente de Carvalho, uma vez que em muitos
lugares de Guarujá, a Lei não permite o uso desses recursos, uma vez que estão
em áreas irregulares.
Numa primeira análise, a
emancipação atenderia os anseios das pessoas de Vicente de Carvalho, mas, em
especial, da classe política, pois num espaço onde atualmente são eleitos um
prefeito e 17 vereadores, teremos dois prefeitos e, pelo menos, 28 vereadores,
além de todos os secretários em duplicata. Num mundo cada vez mais globalizado,
e estando inserida numa região metropolitana, a tendência parece ser de união e
não de separação entre as comunidades, uma vez que há grandes oportunidades de
desenvolvimento à partir da diversidade, como encontramos atualmente no
município de Guarujá, mas as pessoas da cidade, especialmente as moradoras de
Vicente de Carvalho parecem cansadas de aparecer como coadjuvantes, querem, com
razão, o protagonismo de seus destinos.
Professor Luiz Paulo, expresso aqui mais uma vez a minha admiração pela lucidez e sensatez com que aborda este tema e chega a uma mesma conclusão que cheguei. A Emancipação hoje só interessa a classe política interessada nos cargos que serão criados para os dois municípios.
ResponderExcluirParabéns colega prof. Luiz Paulo, pelo comentário, muito consciente e pautado de boas razões. Devemos refletir pois a cada momento ficamos mais atento a diversas propostas que nos surge embasada em interesses de alguns.
ResponderExcluirUm abraço.
Douglas Azevedo.
Luiz... super pertinente e bastante claro em seu posicionamento. Eu ainda tenho dúvidas... e muitas! Grande abraço.
ResponderExcluirCaro Professor Luiz li seu artigo,antecipadamente já me posiciono contra tal iniciativa.É claro que não percebi um posicionamento a favor ou contra de sua parte.Mas fica claro que esta iniciativa é só para enchermos os bolsos de mais alguns políticos aventureiros.Como cidadão e filho deste lugar não posso concordar com isso.Fora aventureiros de rapina!!
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