Em dezembro de 2009 escrevi sobre a paralisação do processo de integração sul-americano. Parecia-me emperrado. Chegou-se a um ponto em que as normas e entendimentos estabelecidos no âmbito do Mercosul simplesmente não são postos em prática. Uma análise apurada demonstra isso, menos da metade do que foi acordado entre os sócios do Bloco foi internalizado, desde a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, quer dizer, só metade das normas, acordos, protocolos, minutas estabelecidos por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e mais recentemente, Venezuela foram devidamente adotados e postos em prática.
Mais de um ano se passou desde a divulgação do artigo Parlamento do Mercosul: Utopia ou Descaso por vários sites e blogs pela Internet e pouco avançou-se sobre isso. Ainda não foi criada nenhuma comissão no Congresso Nacional para trabalhar especificamente sobre a internalização das normas mercosulinas.
Algumas vozes já começam a defender a extinção do Mercosul, como se isso fosse a solução para a falta de articulação política dentro dos governos. Mas temos que considerar, particularmente, dois fatores: O Mercosul é inspirado na organização do antigo Mercado Comum Europeu, que demorou 40 anos para se articular, até chegar em um nível de entendimento que proporcionasse uma base mínima, mas confiável, para o estabelecimento da União Européia, e nós, na nossa terceira tentativa sul-americana, temos pouco mais de 15 anos, desde a assinatura do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Outro fator é o engessamento e instabilidade que a Constituição Brasileira dá a todos os tratados internacionais, que são estabelecidos e revogados através lei ordinária, o que impossibilita agilidade ao processo de integração e não torna este acordo internacional peça supra-constitucional, a exemplo do que temos nas Constituições da Argentina e do Paraguai. Mesmo com a assinatura brasileira na Convenção de Viena do Direito dos Tratados em 2004, com o inexplicável atraso de 37 anos, ainda não temos movimentações vigorosas para a regulamentação no Brasil desse importante instrumento de convergência legal internacional, seja do Congresso Nacional, seja do Poder Judiciário.
Urge uma nova revisão constitucional, que não fique apenas em questões superficiais, mas que tipifique e dê autoridade aos processos de integração latino-americanos, e não seja genérico e superficial, como no atual parágrafo único do artigo 4o da nossa Carta Magna.
Deve-se constatar também a pouca participação dos Poderes Judiciários dos 5 países do Mercosul no processo de ajustamento e convergência das legislações nacionais às normas e acordos do Bloco. Um enorme avanço aconteceu com o estabelecimento do Tribunal de Apelações, criado pela assinatura do Protocolo de Olivos, mas os diálogos que constroem esses acordos têm sido, em geral, são feitos por tecnocratas dos ministérios, sem uma efetiva participação dos agentes públicos do poderes legislativo e judiciário.
Mas, o que atualmente torna o Mercosul pouco ou muito pouco relevante no cenário político nacional e internacional é a falta de participação popular no cotidiano e nas decisões do Bloco. É desapontador a indefinição brasileira sobre a realização de eleições diretas para o Parlamento do Mercosul. Todos os 18 representantes brasileiros fracassaram, pois não conseguiram construir uma proposta para a eleição direta, não conseguiram apoio dos presidentes da Câmara Federal e do Senado, nem conseguiram motivar seus partidos à discutir e se engajar sobre o tema. Esses parlamentares deveriam ter lutado muito para que seus partidos desenvolvessem propostas e projetos, nos respectivos Institutos de Estudo e Pesquisa Política ou nas Fundações Partidárias para esse fim. Afinal, seria justo reconduzi-los, na possibilidade de suas reeleições como Deputados Federais e Senadores, ao Parlamento do Mercosul?
Dispomos de excelentes organizações para fundamentarmos as propostas e assessorar as atuações dos nossos parlamentares em Montevidéu, como o Instituto Rio Branco, a UnB, e até o Congresso, tem a disposição o Instituto do Legislativo Brasileiro, o ILB.
Qual o interesse em não haver eleição direta no Brasil para o Parlamento do Mercosul em 2010?
Será que não poderíamos desenvolver uma eleição simultânea com o Uruguai e a Argentina em 2011, no Dia do Cidadão do Mercosul?
Houve uma consulta jurídica ao Tribunal Superior Eleitoral, solicitada pelo Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), sob a relatoria do Ministro Arnaldo Versiani, que faz duas perguntas simples:
I - A publicação de lei que regulamenta a eleição de parlamentares em 2010 para Parlamento do Mercosul deve também obedecer ao que preceitua o art. 16 da Constituição Federal, ou seja, tenha a sua publicação com anterioridade de um ano antes da data marcada para referida eleição, ou essa exigência não se aplica porque não se trata de lei que altera o processo eleitoral e sim constitui norma que está sendo instituída pela primeira vez.
II - Na suposição de que a anterioridade prevista no art. 16 da Constituição Federal não se aplique, qual será a data limite no Calendário eleitoral do TSE para que a nova lei regulamentadora esteja devidamente publicada, a fim de viabilizar em tempo hábil a expedição das instruções do TSE aplicáveis a eleição dos parlamentares do Brasil no Mercosul?
Não houve notícias de uma resposta em tempo.
Mas não podemos deixar de lado a atuação do Poder Executivo nesse assunto. Não que a Presidente da República deva interferir no Poder Legislativo, pois isso feriria o princípio da harmonia e independência entre os poderes, mas seu empenho e interesse é fundamental para mobilizar sua base de apoio no Congresso Nacional.
As cidades da Baixada Santista têm especial interesse no processo de integração sul-americano e suas autoridades (executivas e legislativas) deveriam dar mais importância à essa discussão, pois a movimentação de cargas em nossas rodovias e porto, a atração de investimentos, a possibilidade de intercâmbio cultural e acadêmico e o recebimento de turistas movimentam significativamente nossa economia.
O caso de Guarujá é emblemático: Em 2004, 18% dos visitantes da cidade eram provenientes do “Cone Sul”, especialmente argentinos. Hoje menos de 8% dos turistas em Guarujá vieram de países vizinhos ao Brasil. Os investimentos em empresas de Guarujá também encolheram, e pouco disso é culpa dos problemas político-policiais que assolaram a cidade nesses últimos anos. O fato é que poucos sabem o que é o Mercosul e uma quantidade menor ainda de pessoas percebeu o potencial desse bloco para o desenvolvimento econômico da Baixada Santista, do Estado de São Paulo e do Brasil.
Outros exemplos regionais poderiam ser dados, especialmente para as regiões Sul e Sudeste do Brasil e recentemente, para parte da região Norte, desde o ingresso da Venezuela no Mercosul.
Dada a importância do Parlamento do Mercosul no processo de integração política, econômica, sócio-cultural, estrutural e jurídica sul-americana, e a necessidade de que o Brasil não tenha prejudicado o seu comércio, seus setores produtivos e seu desenvolvimento com concessões clientelistas aos países membros do Bloco não deveriam os atuais Deputados Federais e Senadores, que já têm uma enorme responsabilidade por representarem seus Estados e suas populações, mais essa tarefa.
No entanto, mesmo com a ampliação do número de representantes brasileiros, de 18 para 37, estes serão escolhidos entre parlamentares da Câmara Federal (27 cadeiras) e do Senado (10 Cadeiras) indicados pelas lideranças dos partidos ou blocos, de acordo com o coeficiente partidário. Um “prêmio” para a inação dos congressistas brasileiros.
A comissão de Relações Exteriores e Defesa aprovou o parecer com substitutivo do Projeto de Lei 5279/2009 do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) que estabelece normas para eleições de Parlamentares do Mercosul, que estão previstas somente para outubro de 2014. Segundo esse projeto, teríamos um suposto fortalecimento da estrutura partidária, pois a eleição para o Parlamento do Mercosul se daria através de listas pré-ordenadas e fechadas de caráter nacional, ou seja, não teríamos o voto “nesse” ou “naquele” candidato, o eleitor votaria no partido, sabendo a ordem que os representantes serão eleitos.
Mas, uma questão legítima se formula: Se não houve nenhuma mobilização de nenhum partido político em relação a qualquer assunto do Parlamento do Mercosul, por que colocar tanto poder nas mãos dessas lideranças partidárias? Corre-se o risco dessas lideranças indicarem para as primeiras posições dessas listas pessoas descomprometidas, desarticuladas, que pouco ou nada conhecem sobre o Mercosul e todo o processo de integração, como moeda de troca, tal qual acontece, por exemplo, em muitas indicações para suplentes de Senadores, desestimulando assim aqueles que estudam com seriedade e profundidade os mecanismos de integração e representação do Mercosul a se colocarem para a disputa eleitoral. Embora pareça uma questão interna de cada partido, certamente repercutirá na qualidade das “cabeças” das listas que forem apresentadas.
Precisamos elaborar projetos e propostas sérias, em que vários cenários sejam contemplados, a fim de comprovarmos nossa competência e mostrarmos a pertinência desse tipo de processo eleitoral.
Precisamos eleger homens e mulheres que além de nos representarem e aos nossos interesses, sejam verdadeiramente comprometidos com o processo de integração latino-americano, que conheçam as realidades e tenham propostas para atingirmos juntos, os objetivos de desenvolvimento econômico e social, para todos os irmãos e hermanos latino-americanos.